Será que igualdade de gênero é coisa de criança? Como explicar aos pequenos o que é e, principalmente, qual a importância do feminismo? Na verdade, não importa a idade do seu filho, o interessante é sempre manter o diálogo aberto, longe de preconceitos e repleto de informações.

Para começar, que tal tentar definir o que é feminismo? Tecnicamente, podemos dizer que é um movimento que objetiva conquistar acesso a direitos iguais a mulheres e homens nas áreas política, social e econômica. Mas como sempre, o problema do resumo é a compactação: o movimento é muito mais amplo que esta ideia inicial, sendo formado por diversas vertentes e correntes.

Para Joanna Burigo, colunista da revista CartaCapital, fundadora do site Casa da Mãe Joanna e mestre em Gênero, Mídia e Cultura, a grande quantidade e diversidade das mulheres, enquanto 52% da população, leva a mencionar o termo “feminismos”, no plural, pois existe mais do que uma perspectiva a respeito do que significa o movimento todo. “Mas existe uma definição muito boa: feminismo é a ideia radical de que mulheres são seres humanos”, conta.

Ela acha importante salientar que feminismo e machismo não são o contrário um do outro, como costuma ser confundido por aí. “Machismo reúne ações de descaso, desprezo e ódio às mulheres. É um conjunto de ações, uma estrutura de dominação. Costumo pensar no feminismo como antídoto para ele.” Diferenças entre homens e mulheres existem, nenhum corpo é igual: refutar a biologia nunca foi um argumento do movimento.

De acordo com Joanna, todos os feminismos propõem que algumas das diferenças percebidas são salientadas por um discurso hegemônico e binário, que insiste em manter uma separação entre homens e mulheres para permitir a manutenção de um sistema de subjugação. “Seria estupidez dizer que não existem diferenças biológicas e fisiológicas entre mulheres e homens, afinal de contas somos corpos diferentes. O que falamos é que muitas das diferenças assimiladas como naturais na sociedade são muito mais construídas socialmente do que fruto de uma fisiologia ou uma biologia específica. Muitas das coisas que se pensa como diferenças entre homens e mulheres são, na verdade, construídas socialmente para o privilégio dos homens em detrimento das mulheres”, afirma.

Um dos paradigmas que o feminismo está de olho é aquele em que existem “coisas de menino” e “coisas de menina”. Por exemplo, inclusive até mesmo dentro do movimento, pode haver um preconceito com uma mulher tradicionalmente feminina, munida de maquiagem, roupa da moda e salto alto. É amplamente conhecido aquele comentário de quem é feminista não se arruma, não se depila, não é vaidosa, pois a sociedade durante anos pintou um retrato do feminismo a partir de um ideário negativo de feminilidade. Está aí uma grande questão: o feminismo critica a feminilidade, mas não no sentido de proibir as mulheres de a acessarem, mas sim porque ao longo da história ela foi uma das ferramentas utilizadas para manter a mulherada sob controle.

“O que é tradicionalmente feminino nos foi (e segue sendo) imposto como condição para ser mulher. Queremos que esses atributos também sejam valorizados pela sociedade, e perpetuados, indiscriminadamente, por quem queira – mulher ou homem, cis ou trans, hetero ou homossexual, ou quaisquer outras identidades. Feministas se ocupam de expor machismos, desconstruir misoginias e destruir o patriarcado – e nada disso depende de estarmos com as pernas peludas, tampouco em cima de um salto bem alto”, enfatiza Joanna.

Ainda sobre essa dicotomia entre a definição de menino e de menina, a Dra. Bruna K. Von Muhlen, psicóloga especializada em família e casal, cita que a cultura, através da família e da escola, desde cedo incorpora nas crianças diferenças entre masculino e o feminino. Desta forma, o processo infantil de construção da identidade de gênero está profundamente conectado às experiências com os cuidadores responsáveis pelas crianças, os quais estão inseridos em uma determinada cultura.

Segundo a psicóloga, é no ambiente familiar que os estereótipos vão sendo demonstrados, mais por vias indiretas do que diretas: aprendemos pela observação e pelo exemplo, não é mesmo? Para Bruna, entra-se então na questão do “modelo binário masculino-feminino”, que é apresentado para as crianças e transmitido de geração em geração. A manutenção desse modelo acontece quando há silêncio sobre a possibilidade de masculinidades e feminilidades alternativas. Porém, as crianças, além de reproduzirem as ideias e as práticas dos adultos, também podem transgredir as regras impostas, superando modelos padrões de masculino e feminino, sinalizando novas possibilidades de construção das relações de gênero. “Uma infância com igualdade de gênero diminui a probabilidade de uma vida adulta com desigualdade, evitando uma repetição alienada de modelos de gênero para uma próxima geração.”

A psicóloga ainda explica que, aos poucos, vão sendo criados espaços para a desconstrução de estereótipos de gênero e sobre o que é feminino e o que é masculino. “Como os meninos que dançam ou as meninas que jogam futebol, o que favorece a equidade de gênero”, exemplifica. Por isso a importância de pais e mães contemporâneos reorganizarem-se em torno da criança estando menos presos aos papéis de gênero. “A realidade que está se configurando na contemporaneidade talvez possa servir de base para consolidar relações mais democráticas entre homens e mulheres daqui algumas gerações”, diz Bruna, com otimismo.

O blog aMANHÊsendo também conversou com a jornalista e escritora Ana Cardoso, mãe da Anita (12 anos) e Aurora (quatro anos), que respondeu nossas perguntas enquanto estava em Londres, na Inglaterra, divulgando o lançamento da versão em inglês do seu livro “A mamãe é rock”.

blog aMANHÊsendo: Fale um pouco de como pais e mães podem criar filhos que entendam a importância dessa igualdade entre homens e mulheres na sociedade.

Ana Cardoso: Para que os meninos e as meninas entendam a importância dos direitos e deveres iguais para homens e mulheres é necessário acabar com esse papo de “menina é frágil”, “menino não chora”. Há décadas, as crianças vêm sendo educadas para suprimir sua autenticidade e viver de acordo com padrões do que é ser masculino ou feminino. Como resultado, temos a violência de gênero, em suas mais diversas escalas. A violência pode ser sutil como a opinião de uma mulher ser menos considerada que a de um homem numa reunião ou extrema, chegando até a casos de violência e assédio sexual, estupros individuais e coletivos e o feminicídio.

blog aMANHÊsendo: Desde quando você e seu esposo (o comunicador da Rádio Atlântida Marcos Piangers) explicam isso para suas filhas e como fazem? Exemplifique para ajudar outras mães e pais a visualizar.

Ana Cardoso: De nada adianta falarmos se não dermos exemplo. As crianças aprendem muito por imitação. Aqui em casa não há privilégios masculinos. As tarefas são divididas, bem como as responsabilidades. Eu, como mãe, delego muita função para o pai. Muitas mulheres sentem que falharam quando fazem isso. É estranho, é como se a obrigação fosse só delas. Eu já sinto o contrário. Sinto orgulho de ter um marido que divide, que pega junto e assume o seu papel de pai.

blog aMANHÊsendo: Você sente que já é possível sentir manifestações de machismo entre as crianças?

Ana Cardoso: As crianças reproduzem o que veem em casa, seja nas telas ou na vida real. Se uma mãe fala para o seu filho de cinco anos: “as meninas não terríveis, estão sempre tramando, você não pode confiar nelas”, o que ele vai pensar sobre as meninas? Como as tratará? Se um pai não respeita a mãe, vive na rua, diz que a mulher é louca quando reclama ou briga… que exemplo de relacionamento está sendo ensinado para estas crianças?

blog aMANHÊsendo: Como as escolas podem também atuar para explicar sobre o movimento e a importância da igualdade entre meninos e meninas?

Ana Cardoso: As escolas podem começar por não determinar brinquedos para cada gênero, ou por ensinar os meninos a valorizarem as meninas pela sua garra e determinação e não por aspectos como beleza e feminilidade. Estimular a amizade e a cooperação de crianças de ambos os gêneros e, sobretudo, incentivar as meninas a acreditarem em seu potencial, em sua capacidade de serem quem elas quiserem.

Entrevistas realizadas pela jornalista Chris Finger, redação da jornalista Cíntia Hecher

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